Entrevista: o médico Martinho Cândido alerta sobre as doenças mais comuns entre as brasileiras

AVC, câncer de mama e no colo do útero são, estatisticamente, as doenças que mais matam.
13/10/2023 14h35

Acidentes cardiovasculares são os grandes vilões nas estatísticas de morte entre homens e mulheres no mundo inteiro. Mas não é só isso. Cerca de 74 mil brasileiras devem ser diagnosticadas com câncer de mama nos próximos três anos, segundo projeção do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Outros 17 mil casos de câncer de colo de útero são previstos nesse mesmo período.

Os números são altos, mas a boa notícia é que as doenças mais responsáveis pela mortalidade feminina podem ser prevenidas com informação e acesso à saúde. É o que explica o ginecologista Martinho Cândido, atuante na área de saúde da mulher há 23 anos. Formado pela Universidade de Brasília e médico do Senado desde 2012, ele alerta sobre a importância da prevenção numa época em que a tecnologia já dispõe de recursos e exames simples, capazes de identificar precocemente sinais de alerta.

Quais doenças mais matam mulheres hoje?

As doenças cardiovasculares, como infarto e derrame, ainda são responsáveis pelo maior número de mortes, tanto no Brasil como no resto do mundo. Para evita-las é preciso fazer atividades físicas regulares, controlar hipertensão, diabetes e obesidade, não fumar, ter dieta saudável e reduzir o colesterol.

Além de cuidar do coração, as mulheres precisam ficar de olho em quais riscos?

Outra causa de mortalidade importante é o câncer – principalmente de colo uterino e mama – mas também de pulmão e cólon, entre outros. Temos a questão de HIV/AIDS e mortes relacionados ao parto e puerpério ainda pensando muito nas estatísticas mundiais. Também podemos citar as doenças crônicas, como diabetes, infecções e as causas externas, associadas a violência e suicídios, por exemplo.

O senhor citou obesidade como fator de risco de infartos e AVCs, por exemplo. Dietas restritivas e uso de injeções para emagrecer são seguros a longo prazo?

Atualmente a semaglutida está aprovada para perda de peso tanto nos EUA quanto no Brasil. A indicação é para pessoas obesas (com índice de massa corporal acima de 30) ou para pessoas com sobrepeso que tenham comorbidades associadas ao sobrepeso (colesterol alto, hipertensão, apnéia do sono, pré diabetes, etc). O uso fora desses critérios não é recomendado. A Anvisa ressalta que a medicação é adjuvante a uma dieta hipocalórica e atividades físicas. Ou seja, não é uma formula mágica. É preciso mudar os hábitos, até para que o resultado seja mais duradouro. Ainda não temos dados a longuíssimo prazo a respeito da semaglutida, mas com os dados que estão atualmente disponíveis, a medicação é considerada segura se usada dentro das indicações e com acompanhamento médico.

Um check up anual com o ginecologista pode prevenir de fato a evolução de doenças do sistema reprodutor?

Certamente. Podemos citar como grande exemplo o câncer do colo uterino. É um tumor que pode ser facilmente evitado com o rastreamento através de um exame simples, a citologia do colo, mais conhecida como Papanicolau. Está indicado para mulheres a partir de 21 anos de idade. Ele permite detecção de alterações nas células muito antes de se tornar um câncer. E então podemos atuar para evitar o problema.

Então é possível afirmar que mulheres que fazem esse acompanhamento dificilmente terão câncer de colo?

Isso mesmo. O Papanicolau é uma ferramenta antiga que ajudou a mudar completamente o curso dessa doença. E hoje temos exames mais modernos como os exames moleculares para HPV. O fator de risco para o câncer de colo é a presença do vírus. Com o exame para HPV conseguimos selecionar uma população de baixo risco que pode fazer o rastreamento com intervalos maiores. Aplicamos esse teste especial para mulheres acima dos 30 anos. Na ausência do HPV, podemos realizar exames a cada cinco anos, com toda segurança.

E o câncer de mama?

Também é uma doença em que podemos fazer a diferença. Realizar a mamografia regularmente resulta em maiores chances de um diagnóstico precoce. Isso melhora o prognóstico da doença e reduz a mortalidade pelo câncer de mama. Estudos demonstram claramente esse efeito nas mulheres acima de 50 anos. Entre as mais jovens, na faixa dos 40 anos, a redução de mortalidade é menor, mas já é notável.

É verdade que hormônios da gravidez evitam alguns tipos de câncer de mama? Dentro dessa lógica, mulheres que nunca engravidaram precisariam ter mais preocupação nesse sentido?

Os dados que temos atualmente indicam que a maternidade em uma idade jovem reduz o risco para câncer de mama. A gestação é importante para o desenvolvimento da mama, que se completa durante a gravidez e amamentação. Gestações subsequentes reduzem adicionalmente o risco. As mulheres que nunca tiveram filhos não terão esse benefício. Já mulheres que têm a primeira gravidez em idade mais avançada, principalmente após os 35 anos, tendem a ter um aumento do risco, que parece ser maior nos primeiros anos após a gestação. A mama é altamente responsiva aos hormônios femininos (estrogênio e progesterona) e, nesse cenário, o aumento de risco muito provavelmente está relacionado a atuação desses hormônios.

Esse sucesso no rastreamento por meio de exames já populares acontece também em outras áreas do corpo?

Sim, como no caso da colonoscopia, por exemplo, usada no rastreamento do câncer de cólon e reto. Atualmente está indicada para todos acima dos 50 anos, homens e mulheres, com ou sem sintomas. Pode ser antecipada no caso de sintomas ou nos casos de risco familiar aumentado. A colonoscopia resulta em redução de mortalidade pelo câncer de cólon e reto, um benefício indiscutível.

O senhor citou que condições maternas ainda vitimam mulheres. Que condições são essas?

São complicações relacionadas à gravidez, parto e puerpério. Nesse contexto, a mortalidade decorre de hemorragias, infecções, abortos e condições específicas da gravidez, como hipertensão.

Ao falar sobre coisas que levam mulheres à morte o senhor citou violência e suicídio, eventos geralmente mais associados aos homens, certo?

Infelizmente temos a questão do feminicídio muito presente nas estatísticas. As causas externas afetam mais os homens, mas a violência também atinge a mulher de maneira muito significativa. Sobre o suicídio, temos que nos atentar para uma questão negligenciada que é a saúde mental. Como ginecologista, percebo que as mulheres são mais abertas a discutir sobre suas angústias e questões psicológicas. Mas nem todos os médicos estão capacitados para oferecer essa assistência na atenção primária. Saúde mental não deve ser exclusivamente tratada por especialistas. O clínico geral e o ginecologista também precisam se qualificar nessa área, pois a assistência em saúde mental faz parte do cotidiano do consultório.

E qual o peso da violência nesse contexto dos fatores de risco à vida da mulher?

Os números são relevantes. E nos últimos anos temos tido cada vez mais contato com a situação de violência contra as mulheres. É um problema de saúde pública extremamente relevante. Todos nós temos nosso papel, médicos, assistentes sociais, agentes de segurança, legisladores... São mortes evitáveis. A sociedade está se movimentando, mas precisamos avançar mais.